terça-feira, 3 de junho de 2008

" A marcha (primeira parte)"-É se ver de maneira amorosa, para assim ver os outros...

o Sol vai se deitando leitoso e vermelho por de trás dos prédios naquela tardinha quente e populosa de verão , tão típico do centro da cidade do Rio de Janeiro. Os prédios parados , e lá do alto assistindo as pessoas apressadas e ônibus apinhados , desesperados pela volta e o descanso do dia, aguardando que o túnel de retenção ao longo de seus caminhos se desfaçam. Sol vai se pondo, água, frituras e cosias estendidas pelo chão. Carros que se vão de um lado a outro num zigui-zague burburento . Nosso conhecido está ali, parado tomando uma água, e o chão o leva vagaroso até a Central do Brasil. Uma mochila vai nas costas, animada, para cima e para baixo, de um lado pro outro, acompanhando calada e agitada nosso protagonista tímido, voltando para casa e se encontrar só de alguma forma. Do jeito que está agora.

Olha fortuitamente para a direita, e se volta para cima , um semáforo lhe olha, totalmente monocular, para lhe avisar quando ir , ou não ir. Enquanto o boneco verde de folha , no seu momento de brilho, anda parado reforçando a todos que devem continuar em suas solas de calçados a espetacular volta diária para casa. E o protagonista não se nega a ir nesse rio de gente, rumo a bilheteria, pegar seu cartãozinho, e seguir minhocosamente num trem até a estação de seu bairro.

Funcionário de cartório em seu ofício. Concurso puxadíssimo, disputadíssimo, conhecidíssimo por todo o Rio de Janeiro. Concurso que quase era uma aparição divina nos anais concursórios da cidade carioca. Pagavam e recebiam somas , e nosso protagonista tem a feliz sorte de novo , novinho, já trabalhar nestes meios há bem uns 3 anos.

Pois então; e pois bem também. Sentado , um banco simples lhe mostra uma janela que corre ao encontro de sua estação tão aguardada. Enquanto o trem minhoca pelos trilhos, as coisas, os prédios, as pessoas e o muro habitual, longe e alto, lhes vai passante com o meio reflexo de seu rosto pardo e mestiço. Um calmo típico. E sua mochila vai silenciosa , feito bicho de estimação, no colo, enquanto a janela lhe mostra essas coisas passantes. A célere corrida da janela lhe dizia também o problema de sua porta.

Era a dobradiça? Não, tanto a dobradiça, quanto a fechadura estavam em perfeitas condições. Mas sim, girar a chave e abrir a porta de uma moradia em escuro, silenciosa e sem ninguém. Faria então o que sempre faz para se resolver, nem trocaria a roupa, deixaria a mochila, e com um trocado na mão, vai para um bar ruidoso, e silencioso sorveria ali uma garrafa de cerveja.

Porém, leitores e leitoras, como autor, eu sou implicante demais, e Agildo, que é o nome do nosso personagem (desta vez tem nome, to sendo legal!), nesse momento, já vai se colocando para a melhor porta de saída. Sua estação está chegando. E Saiu de seu torpor contemplativo e captou umas conversas alheias, que sem querer, lhe mostrou um pouco dele mesmo também.

Claro que não vou, por respeito a outros que nada se hão com esta narrativa , apenas pelo meu acaso, reproduzir a intimidade da conversa. Nem ao menos o dito trecho. Basta saber que Agildo se ouviu ali, um dependente de álcool para suportar a solidão. E outra coisa que também mexeu muito foi ouvi-las afirmando, e categoricamente, que o pior inimigo de hoje é nossa própria teimosia.

Que lhe foi uma bigorna que lhe pesou mais além do peso da mochila. Que alias ia balançando sem se importar, contentíssima balançante, com o pesar de seu portador.

Sentiu que precisa ... Precisava e não se sabia de que. Andava, e quase chegando em casa, via a sua sombra que se misturava ao som da palavra inimigo na sua mente.

E ficou pensando, que realmente , ele estava, naqueles dias de sua vida, sendo seu próprio inimigo. Inimigo? Mas como eu me destruo? E ficou ali se perguntando, sem resposta.

Abriu a porta, e a resposta estava ali, calada. Nem te ligo!

Respirou, entrou pela sala, tirou a mochila,e ela se aninhou num canto. Ouvia o som do sapato, que o irritou imenso, e de chofre se foi tirando com arrancar de meias. Desesperado, foi ao espelho. Queria saber se era mesmo seu próprio inimigo, porque via a vontade imensa de mudar. Pois imenso mesmo estava ficando o seu coração. Brotava-lhe um calor assim, pouco, e no espelho. Olho refletido no olho, se perguntou : “Eu sou meu próprio inimigo?”

Sua voz ecoou no vazio do banheiro. E nada, sem resposta. Pois então só de implicância , foi para o bar. E de chinelo, naquela noite meio quente foi. Mas estranho... Não queria beber.

Pediu. Sentou-se. O chegar do copo vazio com a garrafa já típica lhe mostrou. Era mesmo.

Então era mesmo seu próprio inimigo.

Inimigo de uma existência vazia, e se via egoísta sim. Nem fazia força para vencer sua timidez. Apenas na internete. Pagou, mas não bebeu. E correu, feito criança que compra um doce secretíssimo, e vai logo, loginho, para sorver esta maravilha escondida do açúcar industrializado. Correu para casa, e chorando, concluiu : sou egoísta. Preciso mudar.

Olhou-se de nov e se viu solitário. E sem saber como , e onde, lembrou-se das aulas de história que gostava tanto, e da célebre marcha do povo nos idos de sessenta e alguma coisa.

Se vendo então de uma forma mais sincera e mais amorosa, pensou nos outros como ele. Os que conhecia e que eventualmente não conhecia. Uma vontade louca de conhecer outros como ele .

È se ver de uma forma mais amorosa, para assim ver os outros...

E aquela vontade amorosa de mudar as cosias,uma paixão pulsante, nova e sincera pelas coisas , pela vida e pela noite e o dia que se vão e vem. Súbito, tudo tinha significado, e um amor tão quente como jamais sentiu. Girando Sempre no seu coração, que agora sentia disparar mais. Pensou então numa marcha , para conhecer outros como ele.

Uma marcha para ir contra o inimigo que agora era mesmo de muitos, como ele. O inimigo da solidão. Pensou , num amor tão grande, num ímpeto tão singelo: marcha contra a solidão, marcha dos solitários que querem, de alguma forma amar.

E mal conseguia se dormir na noite. Já se via marchando. Pronto, deixei o coitado do Agildo inquieto. Mimo besta meu, mas vamos ver no que se vai.

Perdi o controle de Agildo.

Acho que porque lhe dei um nome... Que coisa!