Ficou ali um tempo, sentado no ponto de ônibus esperando que alguma coisa acontecesse. Sua casa estava vazia, e havia poucos móveis nela. O eco e a solidão eram de rachar a alma, pensava consigo. Como prometera para si mesmo de não tocar mais em nenhum cigarro, puxou do bolso uma bala de gengibre, que ardia feito "não sei o quê", mas na verdade nem sabia ao certo porque fazia aquilo , ou mesmo porque tentava manter a saúde de alguma forma, já que achava não fazer diferença para ninguém se estivesse vivo ou não.
E ao acabar o gosto ardido do gengibre e da bala, saiu e arranjou um sorvente açaí-roxo-do-mato.
Mais um ônibus, que ele normalmente pegaria, passou. Mas como não estava lá para esperar ônibus nenhum, nem se incomodou de levantar, só de raiva, pois quando precisa nunca passa na hora. E nossa! A vontade de riscar um fósforo era grande! Sorte não ter nenhum cigarro por ali. Sentado , se perguntava o que fazia parado feito um demente. Realmente estava sozinho naquele lugar. E ficou desse jeito: parado com vontade de fumar, pensando ser um biruta, demente ou algo do tipo, constatando que se de solidão chegara naquele ponto, foi porque ele mesmo quis.
Talvez se arrependesse. Talvez não. Mas como não sabia muito o que fazer naquele resto de domingo continuaria ali sentado, sorvendo, até que algo de fato não acontecesse.
Era o que ele achava. Afinal, pensou, tudo sempre foi um marasmo mesmo.
Mas, para quê eu escreveria estas linhas se algo não acontecesse certo? Afinal, narrativa só é narrativa se algo acontece...E esse sujeito ai paradão nesse banco de ponto de ônibus mal perde por esperar (no que depender dos meus dedos e das teclas). Porque afinal a vida é assim: quando agente pensa que tudo está em ordem ,ordenadamente confortável, pronto... É o suficiente para acontecer uma coisinha à toa assim, ô! E fica a nossa vida de cabeça para baixo. Vai dizer que não é assim?
Mas voltemos no ponto de ônibus: pois nosso amigo continuou lá, parado. Vontade de fumar única de angustia, roeria as unhas de desespero (pois quer porque quer parar) se não fosse o copo médio de açaí que sorvia à colherinha... Só para ver o tempo passar e derreter tudo em roxo-açaí-do-mato. E ficou lá sorvendo, pensando e ruminando “ vida simples a minha; gosto dela. E gasto nela também. Principalmente o tempo, e faço isso sem sentido”
E passou um outro ônibus, sentido central, dele brota uma figura delgada, morena, cabelos cacheados e olhos molhados de maquiagem recém borrada a lágrimas . Com sua roupa “cinto em cima e cinto em baixo” ela chora , sentando e se arrependendo em soluços ao lado de nosso apático sorvedor de açaí.
E como se ele fosse psicólogo, ou estas linhas alguma obra remota de relatos ela lhe conta um pouco sobre sua rápida história de amor físico no carro do seu rápido “ex”.
Aquilo que ela lhe falaria mudaria tudo. Talvez ele tivesse que comprar depois um outro açaí , se pretendesse ficar ali.
Até que ela começa a falar...(não disse que eu atazanaria alguma coisa! Te mete!?)