segunda-feira, 31 de março de 2008

Digressão no ponto de ônibus ou Narrativa sem sentido (acho que parte I)

Ficou ali um tempo, sentado no ponto de ônibus esperando que alguma coisa acontecesse. Sua casa estava vazia, e havia poucos móveis nela. O eco e a solidão eram de rachar a alma, pensava consigo. Como prometera para si mesmo de não tocar mais em nenhum cigarro, puxou do bolso uma bala de gengibre, que ardia feito "não sei o quê", mas na verdade nem sabia ao certo porque fazia aquilo , ou mesmo porque tentava manter a saúde de alguma forma, já que achava não fazer diferença para ninguém se estivesse vivo ou não.

E ao acabar o gosto ardido do gengibre e da bala, saiu e arranjou um sorvente açaí-roxo-do-mato.

Mais um ônibus, que ele normalmente pegaria, passou. Mas como não estava lá para esperar ônibus nenhum, nem se incomodou de levantar, só de raiva, pois quando precisa nunca passa na hora. E nossa! A vontade de riscar um fósforo era grande! Sorte não ter nenhum cigarro por ali. Sentado , se perguntava o que fazia parado feito um demente. Realmente estava sozinho naquele lugar. E ficou desse jeito: parado com vontade de fumar, pensando ser um biruta, demente ou algo do tipo, constatando que se de solidão chegara naquele ponto, foi porque ele mesmo quis.

Talvez se arrependesse. Talvez não. Mas como não sabia muito o que fazer naquele resto de domingo continuaria ali sentado, sorvendo, até que algo de fato não acontecesse.

Era o que ele achava. Afinal, pensou, tudo sempre foi um marasmo mesmo.

Mas, para quê eu escreveria estas linhas se algo não acontecesse certo? Afinal, narrativa só é narrativa se algo acontece...E esse sujeito ai paradão nesse banco de ponto de ônibus mal perde por esperar (no que depender dos meus dedos e das teclas). Porque afinal a vida é assim: quando agente pensa que tudo está em ordem ,ordenadamente confortável, pronto... É o suficiente para acontecer uma coisinha à toa assim, ô! E fica a nossa vida de cabeça para baixo. Vai dizer que não é assim?

Mas voltemos no ponto de ônibus: pois nosso amigo continuou lá, parado. Vontade de fumar única de angustia, roeria as unhas de desespero (pois quer porque quer parar) se não fosse o copo médio de açaí que sorvia à colherinha... Só para ver o tempo passar e derreter tudo em roxo-açaí-do-mato. E ficou lá sorvendo, pensando e ruminando “ vida simples a minha; gosto dela. E gasto nela também. Principalmente o tempo, e faço isso sem sentido”

E passou um outro ônibus, sentido central, dele brota uma figura delgada, morena, cabelos cacheados e olhos molhados de maquiagem recém borrada a lágrimas . Com sua roupa “cinto em cima e cinto em baixo” ela chora , sentando e se arrependendo em soluços ao lado de nosso apático sorvedor de açaí.

E como se ele fosse psicólogo, ou estas linhas alguma obra remota de relatos ela lhe conta um pouco sobre sua rápida história de amor físico no carro do seu rápido “ex”.

Aquilo que ela lhe falaria mudaria tudo. Talvez ele tivesse que comprar depois um outro açaí , se pretendesse ficar ali.

Até que ela começa a falar...(não disse que eu atazanaria alguma coisa! Te mete!?)

sexta-feira, 28 de março de 2008

A pressa e a poça: urbaníssimas cenas

Os passos transeuntes se arrastam de calçado em calçado; cada calçado com o seu pé, e cada pé vai com sua direção. Indiferente à pressa , a água suja e estagnada vibra ao sabor da brisa poluída, aguardando a ação do tempo para evaporar-se da poça suja aberta pelo chão, nas calçadas e asfaltos. Brisa de poluição passa leve , quente e suja, junto com a pressa que vai muito rápido, obrigado.

E passa mais uma vez. E mais um pé inadvertido perturba a paz que havia na superfície preta (ou marrom ou qualquer outra cor suja) que havia na água refém da poça.

Enquanto a querela não se resolve, a multidão de multi-pés corre solta, vai andando como rês de gado, para todo o lado e sem sentido, mas cada um com seu plano e destino pisoteando sem dó nem piedade o duro chão aberto de poças-de-chuva e maus-tratos de esquecimento anual.

Cada qual na sua direção, segue esbarrando em si a multidão na “calçádica” cela do relógio, que vai de polpa e vento anunciando os compromissos agendais, os destinos que gritam em suas mentes “aqui” “aqui”, comuns no meio urbaníssimo.

Pois urbana é a presa dos carros alisando o asfalto preto, já sofridos pelo descuido, como também os sem-número de pés que esgarçam lentamente as solas sintéticas que os revestem. Sem dó nem piedade.

E a pressa é quase santa, com auréola no formato de relógio.

De repente... Não mais que De repente... Bum! Chuva estrondando, o céu esvaindo de cinza, enquanto a água fria e inesperada goteja inflamando mais a fogueira da pressa citadina.

Logo, saias, calças e vestuários multiformes correm mais, com mais gana de pressa,e ai o passo aperta : êta chuva porquera!- Levantando às mãos para a chuva feito peneira para tapar o sol.

Se vem ela caindo, a chuva, escarafunchando o chão, abrindo valas e córregos imundos. Vêm a luz novas poças fedorentas (e algumas fétidas, e com louvor). E vai caindo a chuva ameaçando destruir, sem perdão ou escrúpulos, os permanentes alheios, encharcando calçados fechados e planando os sulcos emborrachados das rodas radiais por cima de si, enquanto ela tenta se acalmar depois da queda imensa .

Então,desesperada , a Chuva amortece a pressa do transito,e vai deixando os motoristas à flor do mal-humor, com ânsias de revolta , numa súbita febre de repulsa e palavras torpes dirigidas aos outros motoristas, como também ao pobre volante morto-preto-sintético.

Presas à parte, pequenas embalagens ,guimbas de cigarros abandonadas, outros lixinhos e dejetos leves vão escorregando fluxo abaixo, como crianças caem de felizes num escorrega, na correnteza de poluída que aprisionou a água da chuva. Mesmo com a pressa ao redor deles, brincam na água sem fazer cerimônia e desdenhando da gente.

domingo, 23 de março de 2008

Uma certeza para Percorrer (e achar... se você puder)

Eu começaria um conto, caso houvesse, com este título. E se eu o escrevesse, seria então uma certeza,e eu a percorreria se um caminho para tal surgisse.

Pois então perceba você a peculiaridade destas linhas... E se não estragasse a surpresa, eu mesmo a contaria!

Seria ótimo então que a vida me proporcionasse condições melhores e assim o produziria satisfeito, com o lápis e o teclado na mão.

Seria um conto cheio de fábulas e maravilhas, como se alguém caminhasse de frente ao perigo, ou ao desconhecido. E muitos degustariam cada palavra: como se comessem algo suculento.

Faiscaria, e como as palavras se remontassem por si só, coisas novas e inesperadas existiram. E grandes blocos, se tais palavras imaginativas surgissem, cairiam ou flutuariam, dourados, muito-cor ou furta-cor, como se um trovão, de súbito “alumbramento” ou descobrimento, ressoasse diretamente na sua imaginação leitor!

Simples assim, rápido assim, como o súbito som de estalar de dedos (ou de palavras).

E para o número final destas linhas “percorrentes”, se você , meu caro ,minha cara, percebesse a incrível jogada destas palavras com o título, Como você riria?

Se caso riso ou súbito estranhamento lhe permitisse você responderia?

“Ser-me-ia” algo especial; compartilhar talvez...

quarta-feira, 19 de março de 2008

“Bunitinho”

Palavras caem do céu, e suas letras escorrem como a chuva numa noite estrelada e solitária. Elas pulam no ar, brincam de sons , enquanto nada são, apenas significado puro, pueril e ingênuo. Despretensiosas, esse é o adjetivo ideal (e já não seria mais uma palavra brincando comigo... que surpresa!). E ficam assim, brincando enquanto esperam a forma de um significado maior de um texto ou um contexto. Qualquer um destes serve.

Na chuva solitária de noite estrelada e céu límpido as palavras simples, aladas e divertidas vêm a mim para iniciarmos um jogo só nosso , onde o mais importante é divertir-nos e nada mais.

Mas divertir-nos de tal forma que passaríamos de praça na sexta a noite à guarda chuva naquela chuvinha chata de quarta feira às cinco horas da tarde.

Mesmo assim, mesmo brincando, poderíamos até brigar. E brigar de tal forma, e tão feio, que elas se esconderiam de mim. Só de birra. Só de raiva

E assim eu ficando já louco... louco então para continuar a brincadeira até a chuva parar e sono vir, junto com a lua que já está alta no céu.

E mesmo dormindo , elas escorregam para os meus sonhos noturnos, e me assobiando novas aventuras, continuo assim essa brincadeira com as palavras.

terça-feira, 18 de março de 2008

18/03 – Descrição II (repensar e recuperar)

Mundo gira em torno de um ar enfraquecido, e seco que o dia me proporciona. O dia gira, fica seco. Levanto-me fracamente enquanto a porta lá fora é aberta por uma voz amiga que num gesto simples, mas de profundo carinho, traz coisas ao socorre de um intestino irritado.

Faz-me um pouco de companhia, e depois volta. Pois a vida segue e um dia na vida de quem está doente é assim mesmo.

Enquanto isso me exaspero por dentro : queria estar no trabalho, interagindo conversando.

Logo minha companhia vai embora e eu sabia que passaria o restante das horas do dia sozinho. Ou na companhia de minha bíblia, ou de um joguinho, ou de "Senhora". Mas Deus sempre fica ao meu lado

É tempo de repensar minha "solteirice". Estava confortável , e até prazeroso. Mas de repente começou a pesar. A bem da verdade, é que as coisas já não são tão jovens quando se esta à beira dos 29 anos. Já me preocupei muito com a idade, casamento, filhos (apesar de sempre, no fundo desejar construir uma família) e uma esposa.

Dia de sol, dor de cabeça e uma lista restritíssima de alimentos que se podem comer.

Enquanto isso eu curto um tedioso dia em casa. Não gosto de ficar em casa de molho. Me irrita: não quero mais ficar sozinho.

Doente então nem se fale!

Mas o dia acaba a noite chega, outra visita vem. Melhora um pouco. Devagar

Preciso repensar minha vida, pois está pesada, tal como a dor de cabeça que vai passando , devido ao remédio, ou a noite que vai chegando cálida.

Passei o dia em casa, suando e doente.

O dia valeu a pena por escrever.

Valeu mais a pena por repensar minha vida.

Declaro publicamente que aceito passar para o outro estágio da vida de um homem: construir um lar.

Digno... De preferência...

domingo, 16 de março de 2008

Descrições I ( a praça domingo a noite)

A tolice do ar condensava-se com a chuva que estava para cair estranha, como a voz rouca de um homem embriagado que cantava um sucesso dos anos oitenta num microfone próximo. E o barulho das molas rangendo no pula-pula barato onde algumas crianças brincam vai se juntando ao som de alguns adultos que conversam algo, e sempre sobre vida sentimental mal resolvida.

E o som confuso de um casal que discute e musicas furiosas e sem sentindo infundiam mais o ar débil daquela praça de domingo a noite. Homens, aos bandos ou de carro, gritam gracinhas obscenas aos trajes semi-nús das jovens que também em grupos, andam sem rumo sorrindo em sem sentido, estampando um batom barato de mais um domingo de festa . Uma festa sem um motivo real para comemorar. Uma festa de idiotas. Uma noite de tolos. E risos rápidos e baratos circulavam no ar junto com a fumaça de cigarros e carros, formando um turbilhão sem-sentido com a volúpia dos corpos que se abrasavam o ar.

Tudo era idiota, ingênuo, promíscuo, algumas vezes, indigesto e destrutivamente consumidor. E como gafanhotos que se acometem sobre plantas, pessoas se amontoam em praças , bares e karaokês para consumirem bebida, comida, ar e uns ao outros, sem se importar com o dia de amanha.

Amanhã é amanhã.

O amanhã não existe; o amanhã começa hoje... agora.. .aqui.

Testemunha de desaparecer

Mãos rápidas. Precisas. A palavra já lhe trazia certa cada tecla para o registro de cada letra ou sinal pensado. E assim um raio passava de uma tecla para outra. Num átimo. Um dos mais rápidos num raio de trezentos quilômetros; testemunhado por funcionários de grandes empresas internacionais.

Sua vida ritmava ao som das palhetas estalando palavras ao papel, das batidas dos dedos nas teclas suavizadas ou pela troca de papel , ou pela troca da fita. Datilografar era a sua vida e o que mais amava. Pelas suas contas, ja deveria ter dado três voltas ao mundo datilografando. naquela época seus pensamentos se tornaram céleres como seus dedos.

Datilografar era a sua vida e o motivo de ter se tornado alguém, dentre os muitos deste mundo. Era o que lhe tornava a vida especial.

Como então olhar para si mesmo sem máquinas de escrever, sem aquela aparelhagem que lhe era tão cara, tão viva?

De muito não datilografava mais. Sentia-se desaparecer. E lhe era verdade. Cada suspiro demonstrava isso.

Em algumas horas desapareceria, junto com sua amada que desaparecera há anos.

Nos últimos momentos de vidas os humanos retornam às mais antigas tramas de suas memórias. E este aqui que está prestes a desaparecer não é exceção.

Seu trabalho, e o orgulho que lhe trazia, fazem parte deste caminho da memória, que como um fio vai "re-tecendo" sua trama. Lembra de lugares, nomes, pessoas. Suas mãos se responsabilizavam por documentos importantes, relatos e avisos; seu trabalho, apesar de extinto, era digno e respeitado. Pude ouvi-lo dizer: “eram dias dourados e gloriosos".

De certa forma, a palavra fazia parte do incrível conjunto de engrenagens que faziam o texto se movimentar. Uma vez percebera que a palavra era a engrenagem principal de todo o conjunto.

Um dia, inclusive, desejou ser um melhor usuário e conhecedor das letras. Nestes momentos finais se arrepende de não ter levado adiante esta empresa, pois hoje, teria de alguma forma , melhor registrado aquele tempo áureo que a humanidade passou muito rápido e não o digeriu.

Talvez, se conhecesse melhor as palavras poderia ter expressado melhor, junto com sua amada e seu incrível conjunto de engrenagens, as coisas simples que lhe conferia o prazer da datilografia. o acalanto do barulho da datilografia, o som do papel saindo, pronto "falando" o que deveria dizer, poderia ter contado aos outros como lhes eram caras estas impressões.

Lembranças que não se sentiu competente para registrar, e agora desaparecerão junto com ele.

Apenas eu, um límpido copo d’água, junto à cômoda da cama, tenho comigo seus últimos momentos, gravados numa superfície antiga de água, fácil de ler. Dito para que um outro as registre, e você leia.

A hora de juntar-se a sua profissão amada estava chegando, e começando pelas suas lágrimas , o desaparecimento iniciou. tentou buscar-me na sua cômoda, mas suas mãos já não eram: estavam transparentes, e a tristeza terminou de lhe inundar o coração. Queixou-se de não sentir mais as suas pernas, num tom rouco e choroso. Suas mãos rápidas e antigas de histórias para contar já não existiam mais. Pude ouvir , muito baixou e rouco, uma palavra de agradecimento a Deus.

Foi então que percebi que suas cobertas jaziam vazias pela cama velha e macia.

E tomado pelo nada que definia sua profissão nos dias de hoje, desaparecia assim o mais rápido e anônimo datilografo que o mundo já conhecera.