segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Um

Sem sono, tela branca, três e pouco da manha. Quase quatro. Em um o pensamento voa, longe, pro nada. Pois um é o suficiente para ranger cansaços e chorar. Para isso, realmente, basta-se um.
Um é a visão atordoante de si mesmo, depois de longo tempo. Pois um também, na calada do sem-sono, vai verificar o que acontece por que afinal não anda...
Um deixado de lado, e sempre sozinho, vai tentando, desesperado, ainda ser um decente.
Pois para rolar pensando, basta-se um. E arrumar algo, por no lugar, também não se tem outro.
De um em um, o sono não enche o papo. E mais um não é coelho algum, nem carneiro para se contar.
De uma preocupação, vira um choro, uma prece. É um. Noite de um.
Mas os chinelos, os travesseiros e os óculos ainda são dois.

Dois.

Janelas grandes , sempre mostram dois. Caminhos e bancos também. Dois se abraçam. Dois levam. Outros dois discutem. Adiante outros dois, bestamente olhando o céu, se admiram refletidos na lua.
Com duas casquinhas , de diferentes sabores, em diferentes mãos, derretem-se no sereno da noite. Estrelas com testemunhas. Caminham pingando, levando como se tivessem coleiras, outros dois conversando distraidamente.
A noite, também se encerra com o dia. E mais outros dois.
Duas estrelas brincam alegres com a lua. E dois cachorros, na canção tocada do trotar de suas patas, rondam a praça de onde vagabundam todo o dia. Uma eminência de perigo constante. Perigo pra ninguém.
Um Ônibus deixa dois velhinhos no ponto de pedra-portuguesa. Duas sacolas nas mãos de uma senhora.
E dois, em par, de sapatos caminham sofregamente para casa. Por fim dois travesseiros acolhem uma cabeça cansada. E na janela o vidro é em dois.

domingo, 21 de setembro de 2008

Três

Três pessoas se estendem numa sala pequena. Amarela, mostrada, e três sofás também O som da rua se bate nas paredes mostardas e sem pão; ecoa o ciscar de rodas pelo piso branco, recém varrido. Piso de sala afinal.
Três pessoas, de diferentes pontos , numa mesma sala... Bem assim...
Que num vestido quadriculado olha absorta noite a fora. E outra bocejando, tecla seu amor ao amor distante. Bem atencioso. Atenção a ambos O mais tonto escreve, rabiscando a descrição.
Três pessoas numa sala pequena. Na mesma sala, mas os lugares são diferentes no coração.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Uma Carta Aberta

E vai aquem interessar possa

No burburinho de pouca gente na praça, a caneta corre solta, feliz. Felicíssima.Pois andou meses atarefada com conversa séria, doida por uma parolagem fácil e feliz com o papel nas linhas como compasso, de pura bestice embromativa, bem próprio de caneta que súbito se desocupa.
Pois esta é uma carta aberta. Aberta a todos, a quem aqui passar. E mais ainda de sentido. Pois o tempo me foi minguando bem assim... E me vi necessitado de linhas bestas e puras, sobre tudo felizes. Indo ao sabor dos carros corridos no fim de noite, fim de inverno e banco de praça à meia luz, que ainda não está no fim; graças a Deus.
Me venho passando bem nos ônibus, em rilhar dos trilhos; correndo e voltando sem correr, para um relógio que me perde de vista. Cochilo sentado. Ronco em pé.
To cansado: tenha dó!
È uma carta. Ainda continua sê-lo, mas sem muitas notícias plenamente fundamentadas. Só noticiosas. Falácia solta em linhas amiúde. E não foi? A lua de ontem estava lá toda prosa... Ria , brilhante. Linda!Festejava nada com duas estrelinhas sem-vergonha que lhe saltavam em redor. Borbulhavam límpidas no céu.
Grande notícia para uma carta.
E aí vão mais grandes notícias para uma carta.
Minha cidade, não muito preferida, mas ainda minha, continua enxada. Desordeira e inchando, vai ficando até sem lado para se espichar na sua constante inchadura.
E que festa! Sim senhor! Comemoram não sei o que, e não sei com que tempo. Sempre cheirando à churrasco e cerveja, as ondas e satélites repetem o comum do futebol burramente ampliado a escalas absurdas. Bola flatulenta também se vale de menção honrosa e reportagem.
Exagero é não gostar (dizem)!
E num ritmo frenético as coisas se arrastam. Marcha lenta para a grande minhoca-engarrafativa. Vai tomando tudo. E então a melhor opção de exercício matutino é o estirar-se lento e cumprido da metálica e carbônica minhoca-garrafa. Que se vai gritando pela avenida a fora de muita gente, uma minhoca-metálica gigante de voz buzinante.
Suores escorrem lentos como o dia. É inverno... Mas isso não acontece tanto. Só de vez em quando. . Um inverno seco, e quando chove, se cai pouco. Não tenho muito, afinal, para falar sobre isso.
Segue prosa.
Escorre carta.
Dança letra.
A caneta reza a sua ladainha. Reza em “i”.
Lá vai o rádio vomitando absurdos, num ritmo agitado, morno e néscio.
Coisa memorável de se notar: poucos cães, vagabundos sem pátria, vagam hoje na cidade.
Casais dançam imóveis numa dança burlesca sobre os bancos, frestas e escuros. Sem sair se cansam de lugar e vão-se embora, de mãos dadas. Ofegam sei lá por que (ou sei e me finjo de puritano; pura besteira)...
E por aqui vou ficando
E muito mais me “cartando”
Uma carta aberta
Carta absurda. Endereçada a quem interessar possa. Termina dizendo notícias de nada , numa cidade caótica. De ritmo besta, morta-de-chique, e de tanto sentido quanto esta carta .

Com'amor e sarcasmo
Caio Bessa