sexta-feira, 28 de março de 2008

A pressa e a poça: urbaníssimas cenas

Os passos transeuntes se arrastam de calçado em calçado; cada calçado com o seu pé, e cada pé vai com sua direção. Indiferente à pressa , a água suja e estagnada vibra ao sabor da brisa poluída, aguardando a ação do tempo para evaporar-se da poça suja aberta pelo chão, nas calçadas e asfaltos. Brisa de poluição passa leve , quente e suja, junto com a pressa que vai muito rápido, obrigado.

E passa mais uma vez. E mais um pé inadvertido perturba a paz que havia na superfície preta (ou marrom ou qualquer outra cor suja) que havia na água refém da poça.

Enquanto a querela não se resolve, a multidão de multi-pés corre solta, vai andando como rês de gado, para todo o lado e sem sentido, mas cada um com seu plano e destino pisoteando sem dó nem piedade o duro chão aberto de poças-de-chuva e maus-tratos de esquecimento anual.

Cada qual na sua direção, segue esbarrando em si a multidão na “calçádica” cela do relógio, que vai de polpa e vento anunciando os compromissos agendais, os destinos que gritam em suas mentes “aqui” “aqui”, comuns no meio urbaníssimo.

Pois urbana é a presa dos carros alisando o asfalto preto, já sofridos pelo descuido, como também os sem-número de pés que esgarçam lentamente as solas sintéticas que os revestem. Sem dó nem piedade.

E a pressa é quase santa, com auréola no formato de relógio.

De repente... Não mais que De repente... Bum! Chuva estrondando, o céu esvaindo de cinza, enquanto a água fria e inesperada goteja inflamando mais a fogueira da pressa citadina.

Logo, saias, calças e vestuários multiformes correm mais, com mais gana de pressa,e ai o passo aperta : êta chuva porquera!- Levantando às mãos para a chuva feito peneira para tapar o sol.

Se vem ela caindo, a chuva, escarafunchando o chão, abrindo valas e córregos imundos. Vêm a luz novas poças fedorentas (e algumas fétidas, e com louvor). E vai caindo a chuva ameaçando destruir, sem perdão ou escrúpulos, os permanentes alheios, encharcando calçados fechados e planando os sulcos emborrachados das rodas radiais por cima de si, enquanto ela tenta se acalmar depois da queda imensa .

Então,desesperada , a Chuva amortece a pressa do transito,e vai deixando os motoristas à flor do mal-humor, com ânsias de revolta , numa súbita febre de repulsa e palavras torpes dirigidas aos outros motoristas, como também ao pobre volante morto-preto-sintético.

Presas à parte, pequenas embalagens ,guimbas de cigarros abandonadas, outros lixinhos e dejetos leves vão escorregando fluxo abaixo, como crianças caem de felizes num escorrega, na correnteza de poluída que aprisionou a água da chuva. Mesmo com a pressa ao redor deles, brincam na água sem fazer cerimônia e desdenhando da gente.

Um comentário:

Éverton Vidal Azevedo disse...

Que bacana Caio. texto despretencioso, cheio de alusoes e ironias rs. texto sobre a pressa dessas lendas que sao as cidades.

Uma frase entre todas as geniais que vc plantou no texto me cativou agora.

"E a pressa é quase santa, com auréola no formato de relógio".

Que legal isso.

Abraçao mano.
Inté!