Exercício de Imaginar II
Já andei delirando nesse domingo. Me perdoem o desleixo.
v John Lee Hooker - I'll Never Get Out of These Blues Alive –
Fazia um frio de rachar ,e seu casaco não cobria nem o buraco gelado que sentia chegar pelo ar frio da noite. A noite foi boa, e ficou ali na calçada de pé, esperando alguma condução, enquanto lembrava do beijo dela lhe saltando a mente. Pele macia, morena, com cabelos pretos e cacheados de um dia atrás de um balcão lhe caindo pelos ombros, bem desenhados sobre uma pele de pêssego. Suas mãos simples de servente percorrendo-lhe o corpo. Fora uma paixão súbita. Não conseguia ainda entender bem o que acontecia.
Esqueceu jaqueta esquecida e frio apertando. Lembrou do café quente que tomara depois do beijo enlouquecido e arrebatador, que os levou de uma vez, feito um soco, para as cobertas. Chovera o dia quase todo, e agora levantava um vapor frio do chão. O céu estrelava algumas coisas em sua mente. Lembrou do ia que se conheceram. Mas foi uma lembrança rápida, eu não lhes consigo descrever em tempo.
Seu tênis barato lhe denunciava a diferença de idade, e ele como mais novo. Ela desquitada, sem filhos, e o cara havia sumido no mundo. Lembrar de como se vestia para servir café naquela doceria lhe dava arrepios. E a saia verde delineada pelas suas pernas lhe chamava para um afago mais palpável.
Fora a primeira em muitos sentidos. A primeira de um rapaz que não chegou nem na metade da juventude, com uma carreira brilhante de físico nuclear pela frente. Ficou ali esperando um taxi, ou algo assim, e se vendo que não deixaria aquele caso explosivo da mesma forma que veio.
O boné se apertou mais em sua cabeça de cabelos cortados bem rente. Mas não escondia seu queixo largo que se projetava para a friagem a dentro, muito menos a parca barba que lhe denotava a pouca idade, pouco menos de 24, pouca experiência, pouca sensação de tudo. Na camisa listrada o perfume dela infundido com a lembrança de suas unhas, ameaçadoras, correndo pelo seu dorso novo, novinho cheio espinhas e de dias para não se contar.
E casaria? Não casar não... Mas e esse amor? Melhor nem pensar nisso. A noite chega alta, precisa voltar. Amanhã aula e também do dia de trabalho. Um taxi.
A porta se abre com um som diferente da porta dela, parecido com seus ditos e “estremidos” que vivenciou em poucos minutos. Sentou no banco do taxi, que parecia dizer ao taxista o seu destino junto com o peso.
Era perto.
Abriu sua porta tendo a impressão de que a ouvia na cozinha de seu minúsculo apartamento. Acendeu a luz na impressão imensa de sono. Tirou sua roupa fria e lenta, no acender das luzes. Sentou na cama de cuecas, se imaginando casar. Puxou o cobertor na obrigação da próxima manhã. Roncou de prazer numa respiração folgada e desleixada.
E não se cabe dizer do que se sonha. Isso é pessoal.
3 comentários:
Professor, quando o senhor escreve, parece estar falando de si através de um personagem. Isso é muito interessante, mas não tão fácil de se aplicar. Atualmente estou lendo "O menino no espelho", de Fernando Sabino. Nele, o autor fala das aventuras de Fernando na infância. Este Fernando chega a ser o própio autor, o que deixa, vez ou outra, aquela pergunta no ar: "Será que é sobre ele?"
As vezes vejo essa mesma magia por aqui.
Perfeito! Quanto aprendo com teus textos!
O final é uma coroaçao: "E não se cabe dizer do que se sonha. Isso é pessoal."
Forte abraço.
Inté!
Professor, é compreensível o fato de que esteja ocupado. Também me vejo nesse meio e tento conciliar as coisas pessoais com minha rotina.
Mas... não suma. Sinto falta de seus textos! Um abraço.
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